O primeiro grito de liberdade ecoado na América Latina foi dado por Zumbi, que pagou com a própria vida por ter construído na Serra da Barriga, Alagoas, uma verdadeira república, onde conviviam em liberdade não apenas os negros fugidos do escravismo, mas também brancos foragidos da Justiça e índios. Trata-se de Palmares, que teve a duração de aproximadamente um século, foi o principal quilombo a se contrapor ao sistema escravista colonial vigente (séculos XVII e XVIII). Segundo o sociólogo Clóvis Moura, ela se constituiu em embrião de uma nova nação, “surpreendentemente progressista para a economia e os sistemas de ordenação social da época”. Sua execução ocorreu há 326 anos num dia 20 de novembro e é por isso que celebramos nessa data no Brasil, o DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA.
Os significados históricos e reflexivos desta data que alguns não procuram ou não querem entender, deveriam estimular o debate sobre a situação não só do racismo, mas também as variadas manifestações discriminatórias que ainda proliferam em muitos setores sociais. Os efeitos do primeiro são os piores possíveis. Em nome de uma suposta superioridade de determinada casta, registram-se subjugações, domínios, humilhações e atitudes desumanas. As segundas também impedem a completa viabilização da cidadania, já que é imprescindível proscrever o arbítrio para se garantir a liberdade, e a Justiça exige a igualdade, um de seus elementos primordiais. Além do mais, nada os justifica, são frutos de ideologias equivocadas e de questões de pura ignorância, sem quaisquer enfoques científicos, legais ou morais.
Efetivamente, preceitos constitucionais determinam a uniformização do estatuto jurídico para todos os homens, resultando na proibição de que, em razão de nascimento, raça, credo religioso ou de convicções políticas, estabeleçam-se distinções ou se criem privilégios de qualquer espécie. E apesar de proibido legalmente, o preconceito existe, ainda que dissimulado, revelando-se em fator determinante na definição da pirâmide social e das relações de trabalho. Constata-se assim, que apesar de alguns progressos, nenhum partido político ou movimento popular combate a injustiça racial com a mesma ênfase dada à injustiça social, numa nação onde muitos negros continuam vivendo à margem da comunidade, poucos atingem o ensino superior, são diferenciados em seus empregos e, muitas vezes, obrigados a se submeterem a salários inferiores.
Assim, tudo indica que o mito da democracia quanto às raças no Brasil não passa de um ideal, ainda distante de sua realidade. Evidencia-se a cada dia que promover a equidade é de extrema importância para o desenvolvimento grupal e econômico de um Estado. Os motivos de Zumbi continuam atuais, exigindo a mesma capacidade e a mesma disposição de busca por isonomia, reiterando-se que a educação é o instrumento primordial para alcançá-la. Além do que, nossa Constituição Federal coloca no topo da organização estatal o cidadão, assegurando-lhe o exercício de anseios considerados valores supremos e protegendo-lhe com as garantias da não discriminação, da dignidade humana, do acesso à justiça e do Devido Processo Legal.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí. É ex-presidente das Academias Jundiaienses de Letras e de Letras Jurídicas e autor de diversos livros (martinelliadv@hotmail.com),
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