As Sagradas Escrituras narram o episódio da Arca de Noé, que salvou quem tinha de ser salvo. O restante da humanidade sucumbiu na faxina que resultou da grande inundação a que foi submetido o planeta.
Agora, o ser humano cuidou de providenciar sua própria faxina. Não precisou de Deus para tornar a Terra inabitável em inúmeros espaços, onde a mudança climática faz aumentar o risco de tempestades de fogo.
Quem é que deixou de prestar atenção aos grandes incêndios na Grécia, Portugal e Califórnia? Não foi por acaso. A alteração do clima é fruto da atuação humana, por omissão, negligência ou de forma premeditada. Assim como a ineficiência no manejo de recursos florestais.
As “fire storms” – tempestades de fogo – resultam da conjunção desses fatores, diz Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal de São Paulo. O aumento da temperatura terrestre causa esse e outros impactos. O calor recorde é possível hoje em mais de 80% da superfície do planeta. A aridez de combustível do ambiente potencializa o avanço do fogo.
O cientista William Matt Jolly, do Serviço Florestal Americano, publicou um artigo na revista Nature Communications, mostrando que houve grande aumento da duração das “estações de incêndio” em cerca de um quarto do globo entre 1979 e 2013. Aumentou, ainda, o número de dias consecutivos sem chuva. Que tal o inverno paulista de 2018?
Para piorar, alterações climáticas convertem ambientes de floresta para ecossistemas dominados por capim e arbustos, com plantas mais inflamáveis. Isso alimenta e acelera o ciclo do fogo.
Mais perto de nós, houve incêndios no pico do Jaraguá, na mata do Juqueri, em Franco da Rocha, em vários pontos da Serra do Japy e isso é apenas aperitivo do que ainda virá, se não cuidarmos de ressuscitar nossos cursos d’água, replantar as árvores que destruímos, restaurar as matas ciliares e assumirmos nossas responsabilidades em relação ao ambiente.
O que é que queremos legar aos nossos descendentes? Terra dizimada, calcinada, insuscetível de qualquer espécie de vida? Ou queremos experimentar o gostinho do inferno antes de partirmos desta aventura para aquilo que a Providência nos reservar?
JOSÉ RENATO NALINI é Reitor da Uniregistral, docente universitário e autor de “Ética Ambiental”, 4ª ed, RT-Thomson Reuters.