Todos têm uma noção do que seja uma Constituição. Um pacto fundante de um Estado de Direito. Um texto escrito que serve de parâmetro para a vida nacional. Um conjunto de normas que estabelece a divisão do poder, as atribuições de cada função estatal e declaram os direitos e garantias fundamentais.
Mas isso é insuficiente para exprimir o que é uma Constituição. No caso brasileiro, tivemos constituições escritas desde 1824. Depois a Carta Republicana, de 1891. Em 1926, uma reforma constitucional praticamente instaurou nova ordem. Em 1934, uma Constituição Democrática. Substituída em 1937 pela “Polaca”, do Estado Novo getulista. Nova Constituição Democrática em 1946, a Carta de 1967, emendada em 1969 e, finalmente, sucedida pela “Carta Cidadã”, de 5.10.1988. A nossa “balzaquiana”, que chega aos 30 anos com cem emendas, afora as de revisão.
Mas a Constituição de 1988, por pretender restaurar a Democracia, o Estado de Direito, abjurar o autoritarismo, é um texto analítico e complexo. Trata de tudo. Como diz o Ministro Ayres Brito, “da tanga à toga”. E, para ser aplicada, depende da interpretação. No nosso País, missão de juízes – no chamado controle “difuso” – e do STF, no controle concentrado.
Interpretar não é missão singela. Por sinal, muito controvertida. Beccaria, no “Tratado dos Delitos e das Penas”, dizia que “interpretação não é tarefa que caiba como tal aos juízes”. Para Voltaire, “interpretar a lei seria o mesmo que corrompe-la”. Houve um tempo em que vigia a filosofia das leis uniformes, claras, simples, abstratas e precisas. Não é mais assim, hoje. A Constituição de 1988 é prenhe de generalizações, de textos vagos, ambíguos, contraditórios, suscetíveis de várias leituras. O próprio STF não chega a um acordo sobre o que significa um dispositivo.
Isso porque o direito não é mais a suprema encarnação da realidade empírica do poder, mas fruto de uma realidade histórica e cambiante, cuja evolução pode resistir a uma compreensão de pura lógica jurídica. O juiz não é um órgão puramente apolítico, executor lógico de normas dadas, um ser sem poder nem vontade, cujas virtudes principais consistiam em sua invisibilidade funcional. Não: o juiz é o leitor categorizado da realidade. E procurará tornar a Constituição algo vivo, dinâmico, ajustado aos tempos.
Nem sempre – ou quase nunca – agradará a todos. Mas é isso o que temos. A jurisdição não tem caráter simplesmente declarativo. Possui caráter constitutivo. Constitui um ato criador de direito. O juiz é quem dá vida à norma, produto cada vez mais ambíguo, fluido e incompleto de um Parlamento que não quer e nem sabe enfrentar os grandes temas contemporâneos.
JOSÉ RENATO NALINI - é Reitor da Uniregistral, docente universitário, palestrante e autor de “Ética Geral e Profissional”, 13ª ed., RT-Thomson.
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