Uma das inúmeras tragédias brasileiras é o analfabetismo. Não apenas aquele de quem desconhece o alfabeto, não consegue ler nem escrever. Mas aquele disfarçado por dificuldades em soletrar, impossibilidade de entender o que leu, inviabilidade de descrever, em outras palavras, o trecho cuja leitura acabou de fazer.
Imensa a legião dos desprovidos de capacidade leitora neste pobre País. Já se tentou fazer do Brasil “uma nação de leitores”. Mas os sucessos são escassos. A situação rima com fracasso e não com êxito.
Por que isso?
Inúmeras causas. Evidencia-se um escancarado retrocesso intelectual nas últimas décadas. Universalizou-se o acesso à escola. Mas a escola adestra a memória e não estimula a criatividade.
O livro era o companheiro da decência. Não era necessário ser rico para ter acesso à leitura. Havia bibliotecas, havia Gabinetes de Leitura, havia Clubes do Livro e Círculos de Leitura.
Os pais interessados em estimular sua cria ao domínio do conhecimento, premiavam com livros. Quando alguém conseguia “melhorar de vida”, planejava uma casa em que a biblioteca merecia lugar de honra.
E hoje? Os pais não leem para os filhos. Não dão livros para os filhos. Mas têm dinheiro para prover a criança de um celular. O mobile tem benefícios, é óbvio. Mas quanto tempo o filho passa a jogar, a procurar superficialidades e a visitar páginas perigosas, em lugar de se abeberar de sabedoria? Quem já viu uma criança ou jovem ler um livro eletrônico por inteiro?
As livrarias estão fechando. Por falta de clientes. Até aquelas que são pioneiras, consideradas espaços atraentes, sofrem com os contínuos passeios de circunstantes que olham, folheiam, examinam, observam. Saem sem nada comprar.
Jovens pais levam seus filhos à livraria que proveu considerável espaço para livros infantis. Deixam as crianças à vontade enquanto se distraem. Nem sempre chamam a atenção quando esses futuros “leitores” estraçalham o livro, rasgam, urinam ou vomitam sobre eles. Pois a criança é imprevisível. Quem tem filhos sabe disso.
O drama é que vão embora, tranquilamente, sem chamar a atenção ou sem indenizar o livreiro.
Prevalece o egoísmo, a insensibilidade, a falta de polidez e além de não colaborar com o projeto da permanência das livrarias, ainda se fornece eloquente mau exemplo para uma geração treinada para exercer a tirania.
Se isso não é a regra geral, não representa também a exceção. Tanto que o número de livrarias fechadas, de editoras que cerram suas portas, é crescente e contínuo.
O lar, a família, o recôndito doméstico é o lugar em que tais valores poderiam ressurgir. Alguém vislumbra prenúncios de que as coisas vão melhorar?
JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista.
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