Em agosto deste ano, o término da Segunda Guerra Mundial estará completando setenta e um anos.
Se perguntarmos a algum cidadão bem informado sobre essa guerra, com certeza saberá os nomes dos países envolvidos e os locais dos Campos de Concentração.
Mas se perguntarmos se tem conhecimento da existência de Campos de Concentração no Brasil, por certo dirá que não, e até duvidará.
Já ouvíramos falar nessa possibilidade, mas não tínhamos informações relativas. Por acaso, ofereceram-me um livro intitulado “O Canto do Vento” do escritor Camões Filho, editado pela Scritta. O autor publicou depoimentos de algumas pessoas que foram aprisionadas nos Campos de Concentração do Brasil, informando que o desconhecimento se deve à falta de divulgação dessa página negra da nossa História.
No livro, os relatos começam com a partida do navio Windkurt da Alemanha para a África, em viagem turística, em 1939. Em setembro desse mesmo ano, quando o navio já estava na Cidade do Cabo, irrompeu a guerra. O capitão recebeu ordem para voltar, mas, ao sair do porto, cruzou com um navio holandês que telegrafou aos ingleses denunciando o local do navio alemão. Resolveu mudar o rumo e seguiu para a Argentina. Quando chegou, verificou que vários navios holandeses estavam ali concentrados. Partiu, então, para o Brasil, país neutro à época.
No dia 7 de dezembro de 1939, chegou ao porto de Santos. A tripulação não desembarcou. Um cruzador inglês os vigiava dia e noite, com canhões apontados para o navio. Algumas semanas depois, os alemães desembarcaram e se hospedaram em pensões santistas. Não havia como retornar à Alemanha.
No dia 18 de agosto de 1942, cinco navios brasileiros: Araraquara, Baependi, Aníbal, Benévolo, Itagira e Arara foram atacados, supostamente, por alemães; e naufragaram causando 652 mortes. Logo, o Brasil rompeu relações com a Alemanha, os tripulantes do navio aportado em Santos tiveram seus documentos confiscados e o Brasil vendeu o navio aos ingleses.
Policiais aprisionaram os alemães que estavam em pensões e apreenderam seus pertences. Em uma mala encontraram o livro:
“Kochkunet Führer” e acharam que eram informações do Führer, como Hitler era chamado. Não sabiam que era um guia culinário, pertencente ao cozinheiro.
Os alemães foram transferidos para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, ficando juntos com tripulantes de um navio italiano, apreendido também.
Permaneceram nesse local por cinco meses; depois, os “Cabeças Vermelhas” - a Polícia Federal de Vargas - os transportaram para os Campos de Concentração instalados em Guaratinguetá, Pirassununga e Pindamonhangaba.
A existência desses campos sempre foi negada pelas autoridades brasileiras, mas documentos exibidos pelos ex-prisioneiros mostram que a denominação era essa mesmo. Várias fotos mostram as anotações: “Fulano de tal/Campo de Concentração de Pindamonhangaba-SP/Brasil”. Nesses locais faziam trabalhos forçados e vestiam macacões com números no peito e nas costas. Os que tentavam fugir eram capturados.
Três meses após o término da guerra, foram soltos. Há o relato de um ex-prisioneiro:
“Nos libertaram às 10 horas de noite, chovia e fazia muito frio. Sem dinheiro e sem falar português, não tínhamos para onde ir. Rumamos até a Delegacia dos Estrangeiros-SP, para conseguir documentos, pois os nossos haviam sido recolhidos. Por onde passávamos, ouvíamos:
- Olhem os nazistas! Olhem os nazistas!
Em 1952, o Consulado Alemão nos ofereceu retorno à Alemanha, mas a maioria resolveu ficar no Brasil, pois perdera todo o contato com a família e alguns arrumaram companheiras.
Dos locais onde fomos aprisionados não há mais vestígios. As únicas testemunhas somos nós que, devido à idade, não teremos mais muito tempo para provar o acontecido”.
Pormenores como o nascimento de um bebê, casamentos e outros também são relatados nesse precioso livro.
Quanto à denominação aceita pelas autoridades, que os locais eram, apenas: “Campos de Internação”, qual será a diferença se as pessoas ali confinadas perderam a liberdade e eram obrigadas a trabalhos forçados?
Como disse meu saudoso amigo judeu: “Esse assunto deverá ser sempre lembrado para não ocorrer novamente...”
Estou fazendo a minha parte.
JÚLIA FERNANDES HEIMANN - escritora, poetisa e acadêmica. Jundiaí.
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