A moça se deteve onde me encontrava e falou de assuntos diversos. Conhecemo-nos há algum tempo e acompanho circunstâncias de sua história. Dessa vez, quem sabe pelo cinzento da atmosfera, puxou fatos remotos cruéis, que passaram junto com a mãe. Faz 16 anos da partida trágica do irmão. Era do carinho com eles. Mal amanhecia, estava na plantação em que trabalhava. A força da terra, a enxada, as sementes e o sol a pino pareciam acalmar as angústias que o tomavam por dentro. Apreciava voltar para casa com verduras. Não tinha filhos e vontade de casamento. No entardecer, no entanto, o desejo pela droga se agigantava. Não resistia. Foi disso a dívida que contraiu. Pagava a de ontem e prometia para amanhã a quantia de hoje, até que o valor lhe fugiu das possibilidades. Dizem que alguém lhe emprestara o montante e que se encontrava no bolso. Sabe-se, apenas, que ao se aproximar da viela, deteve-se com uma amiga. Pegou no colo a bebê dela. Uma gracinha! Amava crianças. Desanuviou-se a sua expressão de prenúncio de tempestade, que carregava há dias. De repente, o “gerente” se aproximou armado e decidido. Aqueles que estavam próximos perceberam o ruído de aves de rapina pela redondeza. Bater de asas de mau agouro. Uns gritavam para que entregasse a criança à mãe. Outros diziam para que não o fizesse, pois seria morto. Silêncio e medo suspensos no ar. Situação de instantes. Notou que a criança iria chorar. Gritou que não podia ser responsável por sustos e tremores da pequenina. Entregou-a de imediato à mãe e correu.
Rito fúnebre, vingança. A caveira tatuada em seu braço pareceu agigantar-se. Estampidos soaram inclementes, rompendo a mudez tenebrosa. Exclamações pálidas soltas pelo ar. Caiu ensanguentado e, ali mesmo, deu o último suspiro.
No dia em que ouvi esse episódio doloroso, pela manhã, estivera com o Padre Leandro Megeto, que é todo de Deus, do acolhimento e da claridade. Ao comentar, com ele, sobre a sequência que me assombra: orgulho, julgamento, condenação e maledicência, embora com anseio sempre de me tornar da bondade, aconselhou-me a aplicar a misericórdia. Foi tão forte para mim! Isso me fez entender, de imediato que, pela misericórdia de Deus posso me tornar melhor e que o moço, de vida de desencontros, por certo chegou a Deus e Ele o agradeceu por ter salvo a menina.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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