Possuo convivência com pessoas de infância sugada. Choro com elas e choro por elas.
São pessoas que conheço há anos e outras chegaram há menos tempo. Existe um ponto em comum que as une: a cratera da infância que lhes foi roubada.
Quantas situações expuseram ou expõem crianças ao abuso físico, psicológico e sexual. Há trabalho infantil no campo, nas ruas, em ambientes insalubres... Crianças que atuam na colheita de laranja, no corte de cana, na extração de sal, no comércio do sexo, no serviço doméstico em casas de família, como babás... A fiscalização deixa a desejar.
A desestrutura familiar, o abandono, a despreocupação em relação à escola para seus filhos, falta de cuidados, ausência afetiva, abuso sexual infantojuvenil, responsabilidade excessiva de pequenos em cuidar de irmãos menores também sugam a infância. Parecem-me causar uma exaustão emocional. Geram medos disso ou daquilo: de estranhos, de sons suspeitos, das noites com aves de mau agouro, das madrugadas na solidão, do peso de corpos adultos malditos sobre seus corpos tenros, da fome, das incapacidades, dos fantasmas que as rondam sem alguém que os espante. É o ciclo perverso principalmente da miséria.
A moça se encontrava com 28 anos. Imaginara ter conhecido alguém que a assumisse bem como os seus filhos. Antes de partir com ele para uma cidade próxima, onde residiriam em um sítio e ela se tornaria esposa sem as manchas do passado, ligou-me para pedir de Natal uma boneca para ela. Seus descompassos na época a saturaram. Viria para buscar o brinquedo no dia 24. Fez-se silêncio logo depois. Recordo-me de que, aos oito anos, conforme me contara aos 13, encontrou um diário da mãe: declaração de amor ao amante. O pai, um homem dedicado, não merecia isso. A mãe comprou o seu silêncio com ameaças de um matador para ele. A adolescente se perdeu logo em seguida pelos caminhos das bebidas, do sexo e das drogas. No mês de janeiro, veio-me a notícia: o príncipe encantado se tornara o seu executor, por dívidas de droga.
Percebo que pessoas adultas e até mesmo idosas desse convívio que Deus me possibilitou, para desenvolver o olhar de compaixão, buscam no agora bonecas, oferecem-lhes proteção e cantam músicas de ninar, com o propósito, creio eu, de assoprar as dores de um período de sonhos bonitos que lhes pertencia e lhes foi negado.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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