Conheço inúmeras pessoas invisíveis de idades diversas.
Recordo-me do senhor que vagava pelas ruas da cidade, na década de oitenta, com um dos pés enfaixado. Gostava de me contar casos miraculosos. Era um dos obscuros. Em um acesso de nervos, pela maneira que o trataram, balançou com fúria uma armação de metal que havia na praça. Passou a ser notado. Poucos ou muitos, sem recorrer à sua história, pregavam para ele algum tipo de condenação.
Lembro-me do menino de paletó de terno maior que ele, aos dez anos, dependente químico como a mãe, que morava no morro. A mãe me abordava em casa, jovem ainda, de corpo arcado, olhar opaco, os braços e forma de abraço nela mesma. O garoto gostava de balas de morango. Nem mesmo a sua silhueta percebiam, até que, em troca talvez da própria droga, foi portador da venda de um revólver. No entra e sai em instituição para menores, sem efeito algum para ele, experimentou o cárcere no dia em que completou 18 anos. Aqueles que não o viam em suas tragédias comentaram sobre geração perdida. Tornou-se estatística de mortes dentro do sistema antes de completar 19 anos. A mãe morrera seis meses antes, tragada pelas águas da chuva em um bueiro. Não se pode dizer que foi encerrado o seu CPF, pois possuía apenas a certidão de nascimento. Ao saber de sua morte, houve quem respirou tranquilidade.
Mais um de meu convívio esporádico. Possuía rebaixamento mental e sua diversão ingênua era imitar o burrinho do Zé Béttio, radialista que faleceu em 2018. Ignoravam-no. Nas proximidades da madrugada, o seduziam para esquetes pornográficos, motivo de deboche, quando um bar do centro descia as portas.
Gente invisível vive, desde pequeno, de goles, mais de amargura que de esperança, em casa, na escola, na rua. Une-se aos que possuem realidade semelhante. Evade-se da escola após ser considerado lixo. Fazer o que lá, sem estar alfabetizado e as aulas se tornarem enigmas? Onde foi parar a professora de olhos de colo? Gente invisível, muitas vezes, possui transtornos comportamentais. Quem facilita o tratamento? Gente invisível, em incontáveis situações, é espiada de longe por aqueles que poderiam tomar uma atitude de reconstrução. Ao se tornar manchete de jornal, ouvem-se interjeições de surpresa: “Oh, Ah, Uai, Puxa, Céus!”
Quanta falta de lucidez e comprometimento, meu Deus!
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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