Entrei no prédio sem uso, desgastado pelo tempo e por invasões periódicas. A estrutura me parece que não foi alterada. É doloroso ver a escuridão em que se encontra, paredes queimadas e sinais de quem passou por lá um ou mais dias. Seres humanos invisíveis para a sociedade na distância e considerados empecilhos nas proximidades deste ou daquele.
Em meio aos pinos de cocaína vazios, observei desenhos: uma cruz ao contrário, disco voador, olho no triângulo, uma múmia, uma espécie de rota de fuga por tubulações... No pequeno quadro, o Salmo 91(90): “Tu que estás sob a proteção do Altíssimo e moras à sombra do Onipotente, dize ao Senhor: ‘Meu refúgio, minha fortaleza, meu Deus, em quem confio’.”
Li algumas frases e palavras nas paredes e, dentre elas: “Na reflexão pensei sobre minha relação com o próximo e cheguei à conclusão de que eu realmente preciso ser mais humano” e “Ainda há esperança para a árvore cortada, mesmo que cortem sua raiz”.
As pessoas se traduzem naquilo que deixam em espaços como esses. Chamou-me a atenção aquele que disse sobre ser mais humano. Provavelmente a rua o embruteceu. A rua enrudece pela necessidade de sobrevivência. Você não sabe quem aparecerá em seu entorno e que pode se tornar ameaça. Recordo-me – e penso que já falei sobre isso – da época em que visitava os presídios, pela Pastoral Carcerária, do moço que me disse procurar, de toda forma, não absorver a proclamação do Evangelho que fazia e os comentários e orações posteriores. Justificou que, se ficasse emocionado, perderia a força que considerava prudente no caso de ser atacado. Triste, não é, a pessoa não poder se comover? Para falar assim, sem dúvida era ele sensível. Contudo não é só a rua que embrutece, há tantas outras coisas como o poder desmedido, a ambição por dinheiro, a prepotência, o uso das pessoas... Além disso, os invisíveis, inúmeras vezes, necessitam gritar para conseguir sobreviver em necessidades mínimas.
A outra frase me questionou mais ainda sobre a esperança para a árvore cortada mesmo que em suas raízes. Qual seria a esperança para a árvore cortada em suas raízes? Jesus diz: “O que é impossível para os homens é possível para Deus (Lucas 18, 27). Que raízes seriam essas? Da família, talvez, ou da sociedade que o condenou. Mas é alguém de esperança imensa, pela colocação.
Pergunto-me: “Que poderia ser feito para alimentar essa esperança? E para a pessoa conseguir ser mais humana?”
Talvez as raízes tenham sido cortadas pela falta de cuidados dos pais. Mas houve vínculos paternos? Quantas crianças registradas somente no nome da mãe, sem que se possa localizar o pai. Como seria a história da mãe? Foi cuidada e aprendera a cuidar? Existem tantas pessoas estranguladas em um círculo de morte... Se foi ele que amputou suas raízes quiçá pelos motivos anteriores igualmente.
Lembrei-me de um bilhete que o Padre Zezinho me enviou, a pedido de um amigo meu, pois não pude comparecer em um encontro do Movimento de Jovens, encerrado por ele, na década de 70, que dizia: “Que de você nasça um mundo como Jesus sonhava, quando esteve conosco pelas ruas da Galileia”.
Olhei os desenhos, as frases, a escuridão das paredes e me senti responsável por ajudar a florescer árvores sem raízes.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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