Dependência química e contágio... Tenho pensado sobre isso: dependência química é emocionalmente contagiosa. Observo em algumas famílias.
O neto era dependente químico. Muito novo ainda. A mãe estava por aí, na tentativa de resolver suas confusões interiores. A avó, dentro de suas possibilidades, olhava o neto até que chegou à adolescência e enveredou para o caminho das drogas. Conheci-o de cumprimentar. Mocinho humilde, apagado... A avó, tão forte, de origem de região rural, em pouco tempo sofreu um infarto. Resistiu, mas fragilizou a sua saúde. No início, para o adolescente, só euforia. Depois submissão à pedra. Procurava uma forma de conseguir o valor necessário. A compulsão, no entanto, fazia com que o valor, adquirido em vendas para o depósito de sucatas, não fosse suficiente. Por 15 dias poderia marcar com a promessa de pagamento posterior. Era conhecido no local. Informaram-lhe sobre a contagem regressiva: aviso, tortura e morte com tortura. Mil reais era um valor imenso para ele. Furtar seria manchar o nome da avó. Roubos maiores, nem pensar. Ninguém também o incentivaria, pois desde a escola era solitário. Perguntou se ela possuía o valor para lhe emprestar. Estava decidido a se tratar, abrir mão do vício e procurar emprego. Uma vida nova fazia com que acendesse um pavio de esperança em seu coração. Coitada da avó! Mal dava para sustentar a casa com a pensão que o marido lhe deixara. Contagem regressiva. Amarrado a uma árvore, sofreu a primeira tortura. Prefiro não relatar como se deu. Uma pessoa, que cortava caminho pelo local para ir trabalhar, o acudiu. Procurou a mãe em diversos becos, na esperança de que pudesse ajudá-lo pelo menos nessa vez. Viu-a em delírio numa calçada. Desistiu. Passou na loja de material de construção, comprou chumbinho, chegou em casa, abraçou a avó, disse que a amava e, na madrugada, o encontraram morto em um terreno baldio. Faz seis anos e a avó, agora na cadeira de rodas, permanece despedaçada como na madrugada daquela noite fria.
Um aparte: na Missa do último dia 16 de outubro, no Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, seu Pároco e Reitor, Padre Márcio Felipe, comentou que o suicídio é a tentativa de se livrar de uma dor interna que não se aguenta. Que é preciso procurar ajuda para dividir o peso e rezar insistentemente, pois Deus atende sempre no tempo dEle.
São tantos os casos. Uma mãe, por exemplo, estilhaçada por suas angústias, procura socorro nas drogas. Sabe que alguém, que já cuidou dela, não abandonará seus filhos. Ignora as sequelas dela e de suas crianças. Uma pode ver o comportamento da mãe como “aprendizagem” e, assim que cresce um pouco, cai no mesmo vício como forma de cuidar de suas dores. Outra pode ficar de paciência limitada, pelos desmoronamentos tantos que presencia, e entrar em depressão. Outra pode não conseguir criar vínculos, pois a experiência de relacionamento materno foi de contatos amorosos maternos menores que as ausências. A mãe é de afetos, contudo o grito de agonia de suas entranhas, de sua baixa autoestima, não lhe permite ficar com os seus. Lúcida, considera que largará tudo sem precisar de ajuda.
Aquela que usou o crack com ela, durante a gravidez, que na circulação materna passa diretamente, via transplacentária, para o feto, pode ter, além dos danos emocionais, problemas nos ossos e músculos, no sistema neurológico, prejuízo cognitivo...
Concluo, portanto, que a dependência química é contagiosa. Que doloroso, meu Deus! Que fazer para erradicá-la?
Não cabe julgar, é preciso enfrentar como um mal que assola incontáveis pessoas e seus familiares.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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