O relato da epifania do Senhor sempre me encanta. Lembra a adoração do Menino pelos magos, que Lhe entregam ouro, incenso e mirra. Como escreve o Pe. Ferdinando Mancilio, C.Ss. R., no semanário litúrgico “Deus Conosco”, de cinco de janeiro, são eles os primeiros pagãos chamados a tomar parte no novo povo de Deus. “São chamados a ser Igreja, sem fronteiras de raça, nação, cor, cultura, unicamente unidos pela fé no Cristo”. E a estrela, que apareceu no Oriente e os conduz, também me maravilha.
Dom Cláudio da Silva Corrêa, OSB, em sua profunda e terna homilia na Missa das 10h00 do último domingo, na Catedral, comentou sobre a fé que abre os olhos: os magos viram na estrela um anúncio, foram a uma cidade simples e pouco significativa, não era capital e nem centro de decisões, e encontraram um Menino, aparentemente como outro bebê, em um espaço de pobreza. A fé os fez reconhecer que estavam diante do Salvador.
À tarde, no mesmo dia, a moça - conheço-a faz anos -, me chamou no portão aqui de casa. Precisava de minha ajuda. Comove-me sua decadência física devido à dependência química. Há dias em que dorme em meio aos eucaliptos, domada pela ilusão das drogas que encobre sua realidade. Distancia-se ao encontrar algum parceiro de fumaça que lhe promete “amor eterno”. Buscam paisagens diferenciadas com semelhantes espectros de seres humanos tragados pelo crack. Ao perceber que não existirão mudanças, retorna ao ambiente antigo, em compasso igual: nas madrugadas com olhos arregalados e ao amanhecer em fuga dos pesadelos.
Necessitava que lhe fizesse uma declaração para a irmã assinar. Pesa-lhe a ausência em visita ao filho no cárcere, detido pela segunda vez. Recordo-me dele criança. Perambulava pela escuridão. Começou com substâncias inalantes como cola de sapateiro. Usava um paletó de terno que chegava ao joelho. Uma maneira de se identificar. Menino ainda, falava e ria sozinho, mergulhado no nada. Foi preso no dia em que completou 18 anos: de pequenos furtos a assaltos. Ela não conseguiria fazer a carteirinha para acesso ao presídio por não ter endereço fixo. A irmã, que trabalha com carteira assinada – fez questão de enfatizar -, se dispusera a lhe oferecer o dela. Acrescentou que a irmã é tão importante que possui até assinatura em cartório para reconhecer firma. É naquela casa que a moça se abriga ao crescer o medo, nas enfermidades, nas crises de abstinência.
Questionei-a se conseguiria manter-se sóbria nas visitas. Estava aí o ponto central como afirmou: é urgente conter-se para dar exemplo ao filho. Quem sabe assim os dois se libertam da fumaça. Deseja viver sem artifícios que escravizam e construir uma história com o seu moleque. Não escrevo reconstruir, porque não houve história anteriormente.
Creio que tenha visto a estrela que leva a Belém e esta iluminou sua alma. Embora habitemos em meio a uma sociedade de trevas, se prosseguir, crendo na claridade, realizará seu sonho de constelação no céu de seu mundo.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí, Brasil.
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