Na primeira ocasião que a moça passou pela cadeia, após um furto, teve um impacto ao receber, no dia seguinte, o alvará de soltura. Explicou, à responsável pela carceragem, que não estava preparada para voltar à rua. As demais, no pátio, riram e questionaram, indignadas, como seria imaginável alguém, em são consciência, não aplaudir a possibilidade de sair da cadeia pela porta da frente.
Depois disso, reencontrei-a inúmeras vezes, logo pela manhã, sozinha, na parte externa do estacionamento de um supermercado. Surgia dentre o carros, o jeito envergonhado de sempre, com seu sorriso tímido e me perguntava se poderia lhe dar uma moeda para o café da manhã. Em nenhum momento me abordou com ar de vítima ou discorreu sobre danos em sua história, com filhos passando fome, mãe doente, dinheiro para fraldas, leite, botijão de gás ou remédios... Seu único reclamo era sobre a dificuldade em arranjar emprego. Indagava-lhe se procurava serviço e ela abaixava a cabeça constrangida. Jamais insistiu como se fosse obrigação minha lhe ofertar algum valor. Aliás, há determinados pedintes que me cansam ao teimar sobre “uma ajuda financeira” que, por certo, reverterá na aquisição de álcool ou droga ilícita. Nos dias em nos deparávamos, encontrava-se lúcida.
Voltou à cadeia não faz muito, devido a um novo furto. O “entorno” de seus atos clandestinos é região conhecida pelo tráfico. Confirmou que não se apresentava “ajeitada” para voltar ao convívio cotidiano. Dependente de crack, viu na cadeia de Itupeva uma hipótese de vencer os impulsos que a levam à droga. Lá, não existe chance de consegui-la, portanto é obrigada a se aguentar em carne viva. Contou-me que no período de abstinência viu bichos pré-históricos na parede da cela, gritou de medo e se encolheu com tal força, que conseguiria voltar ao útero materno. Acredita que o pior já passou, embora, em alguns instantes, deseje ardentemente fumar uma pedra.
Penso que ela vencerá e peço a Deus por isso. Conheço pessoas que superaram o vício a partir da detenção. O primeiro passo já deu: entrar na humildade. Admite tanto os seus embaraços como escravidão, que aceita a cadeia pelo anseio de liberdade.
Uma coisa é certa, a moça compreendeu que enfrentar os nossos demônios não depende do espaço, é uma decisão individual a cada dia.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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