Meninos desconhecidos ou não que se tornam notícia na página policial me comovem e apontam a impossibilidade quase total de trazê-los de volta.
Há estágios para adentrar ao mundo da criminalidade e, atualmente, a maioria dos meninos chega a ele através do tráfico.
Em casa, aquela, aquele ou aqueles que deveriam ser guardiães deixam as portas destrancadas e não cuidam como deveriam. Geram filhos do acaso e depois não os reconhecem como responsabilidade própria. Sei que existem pais e mães que carregam, ao nascerem, conflitos familiares mais intensos não solucionados. Trazemos como legado a visão, as atitudes e os valores de ascendência. Aliás, todas as famílias têm conflitos não resolvidos. Enfrentá-los, encarando-os de frente, é possível. O contrário não é sina ou tragédia, mas inércia. Isso sem falar nos pais e mães que são “mestres” do tráfico para seus filhos.
A escola recebe filhos dos desajustes e não possui profissionais específicos para lidar com os desvios de comportamento de grande parte deles. Alguns se superam, através de um mecanismo interior que surpreende. Desenvolvem um discernimento precoce que os ajuda a escolher o que supera o mal. Os vitoriosos que conheço, embora o meio lhes convide a delinquir, têm Deus como o Senhor de seu caminho. Os filhos da negligência aprendem quase nada por não serem centrados. O pensamento se encontra em fatos outros, que marcam com ferro quente. Reagem aos limites e às reprimendas com agressividade. Afrontam. Zombam das autoridades escolares e danificam o patrimônio público. Nenhuma admoestação, de acordo com a idade e o ECA, é para eles limite. A escola teme que alastrem sua influência. Eles se amedrontam com o vexame crescente provocado pela ignorância. A evasão escolar é certa.
Paralelamente, buscam a vida além da casa e da escola em um ambiente que consideram propício. Ouvem um canto de sereia. Do comércio de ilusões, olham-nos de maneira diferente. Concedem-lhe a “importância” que desejavam. Encontram outros meninos como eles. De início, o trabalho será fácil: observar se uma ameaça se aproxima e avisar os líderes. Ganham, para isso, o seu primeiro celular. De um ponto elevado, seja uma árvore, uma construção ou barranco, vestem-se, em sua imaginação, como um dos heróis das histórias em quadrinho ou dos desenhos da TV. Além da pequena quantia, com nota única, ao final do dia, prometem-lhe que virá muito mais ao longo do tempo: um cavalo de corrida, tênis de marca, bicicleta com todos os equipamentos, videogame... Antes chega a erva, o pó e a pedra, que lhes consomem os sonhos. Na dependência química, se ainda estudam, retornam esporadicamente à escola.
Fora ou dentro do território da casa há palavras ríspidas, violência, descuidos, opressão, angústia. Na rua aumentam as chances de ser detido e participar, interno ou em liberdade, de um projeto socioeducativo. Para eles não faz muita diferença. A casa, a rua e o espaço com grades se assemelham, não mudam o que sentem por dentro. Entendem sua história como de fugas, confrontos e medos. O aliciador, que “confia” nele, exerce com maestria seu poder de persuasão se ele der lucro. Fortalece a ideia de que no tráfico, com suas redes paralelas, está a sua chance. Trataram-nos em casa, desde pequeno, como homem grande. Mataram a criança que morava neles. Verificam que a criminalidade é assunto de homem barbado e se engrandecem do “cargo”.
A única diferença, que poderá fortalecê-los para o bem e transformar suas tragédias em vitória, será, num retorno para casa, se depararem com um lar e deixarem a rua por uma pipa colorida que os aproxime do azul.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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