Era pequenino quando a mãe se foi pelos mistérios da morte. Garoto travesso que observava o amanhecer do galho mais alto da árvore, enquanto as pessoas insistiam que descesse para não se machucar. O que o feriu foi a partida da mãe. Desacelerou e se pôs a recordar do sorriso e das palavras doces que o embalavam. A mãe insistia, dentre consultas, internações, remédios, mas ele, no entanto, não imaginava que a insistência era para ficar com eles. Não supunha que perderia a mãe.
Recordo-me de quando ela teve a paralisia facial periférica. Visitei-a. Contou-me, feliz, que em nada alterara os braços e as pernas, possibilitando-lhe cuidar dos filhos. A aparência não importava. A cada sintoma da doença, encontrava uma razão de esperança. Meses mais tarde, ao se perceber de debilidade extrema, pediu-me que, em sua falta, encaminhasse os filhos à Vara da Infância e da Juventude, solicitando uma família substituta que os mantivesse unidos. A irmã, que é da valentia e da ternura, não quis nem ouvir falar a respeito. A agilidade e a força de suas mãos e o tamanho de sua alma lhe permitiriam criar as crianças do mesmo jeito que os seus. E fez assim.
Retornando ao menino. Desacelerou em todas as coisas. Foi levando a vida, chutando as pedras do caminho sem pensar em construção. Hibernava na claridade e à noite caçava cantos de mau agouro e pirilampos apagados, até que deu na cadeia. Afundou com a erva, o pó, a pedra...
Do presídio, pouco tempo antes de sair, escreveu à tia para pedir desculpas por não ter dado alegria à família. Não escreveu antes, porque, detido, não seriam possíveis ações concretas para mostrar que “acelerara” na lucidez e que, a partir de agora, se faria da diferença que molda a dignidade do ser humano.
Em uma parte da carta colocou: “Sei que minha mãe, no lugar que ela está, ela não está feliz comigo. Posso até imaginar como ela está, com um filho que não traz orgulho para sua família, mas, às vezes, acho que para acabar com a tristeza é só morrer. Mas falei com minha mãe nas minhas orações que iria trazer orgulho para todos vocês ainda nesta vida”.
Tocou-me fundo! A mãe se foi há quase 20 anos, porém lhe deixou, pelo testemunho, a noção da Eternidade: ausência-presença. E foi em nome da Eternidade que ele deu o primeiro grande passo de ressurreição no rumo de sua história.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil
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