Descia a rampa do estacionamento do supermercado, quando a avistei falando com um transeunte. Confesso-lhes que não é muito fácil para mim, em lugar inclinado, segurar o carrinho e colocar as compras no porta-malas. Não tenho muita força no braço e sou atrapalhada. É um tal do carrinho ir de lá para cá, de entortar a roda, enroscar... Parece a letra do “Samba do Crioulo Doido”. Além disso, uma dor muscular me limitava os movimentos. Coisas da idade.
Enxergamo-nos. Aproximou um pouco receosa e me suplicou um auxílio. Deve ser jovem, contudo de aparência consumida por seus desvios que desconheço. Pálida, olhos descorados, respiração ofegante, voz fraca, roupas sem tom definido, pés descalços empoeirados. Solicitei-lhe que me ajudasse a segurar o carrinho. Achou o máximo uma incluída necessitar de um favor. Veio com boa vontade e não somente conteve o carrinho, mas também procurou tirar os pacotes e colocá-los no interior do veículo. Caiu do céu. Repetiu duas ou três vezes para ela mesma: “Imagine alguém me pedir socorro...” Encontrava-se surpresa por ser capaz de contribuir comigo.
Ao final, me disse que estava com muita saudade! Indaguei-lhe de quem e me respondeu: “De Deus”. Acrescentei que Deus estava próximo dela e me questionou como seria possível isso com a vida que levava, com suas distâncias tantas dEle.
Tenho pensado nessa nostalgia dela. Seria saudade do sopro divino na fecundação? Da sobrevivência no útero materno? Da infância que nem sei se viveu? Do passo anterior a tropeçar nas cinzas dos descaminhos?
Procuro me aprofundar nas causas que levam ao submundo, mas converso menos sobre as lembranças que as pessoas carregam. Talvez a reconstrução se encontre em recuperar o que se distanciou ou o que se perdeu e há chance de se reaver.
A saudade dela me sensibilizou. Quando tantos apresentam Deus como juiz implacável, como testemunhar a ela que o Senhor da Revelação é misericórdia; é Aquele que busca a ovelha perdida, compreende suas fraquezas e lhe propõe coragem?
Enquanto se afastava me acenando, ficou a certeza de que por mais que queiram tirar Deus dos caminhos da humanidade e insistir que Ele não cabe, porque a sociedade é laica, existe na essência do ser humano o anseio pelo Criador.
Vi-a com a alma de joelhos. Encontrará, por certo, em seu íntimo, o caminho para o paraíso.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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