O moço estava em minha frente na fila do açougue. Sandália havaiana, calça e camiseta surradas. Chamou-me a atenção por carregar uma marmita térmica, com o invólucro de plástico, recém saída da prateleira. Olhava o objeto com ar de festa. Percebeu que o observava e puxou conversa. Conseguiu adquiri-la após um “namoro” de quatro meses, desde que chegou por aqui para trabalhar como braçal. “Graças ao bom Deus, comida fria, nunca mais” – disse-me ele.
Fez-me bem o encantamento do moço, sem consumismo, por algo que parece tão simples; encantamento que dá sentido à vida. Poderia se lamuriar pelas refeições geladas de antes, pela dificuldade na hora do almoço, mas escolheu ser feliz com sua conquista.
Veio-me o “Setembro Amarelo”: campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, que ocorre desde 2014. Iniciou-se no Brasil pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Os organizadores da campanha consideram que o suicídio é um problema de saúde pública, envolto em tabu, que faz aumentar a quantidade de suas vítimas. Pelos números oficiais, são 32 brasileiros mortos por dia: “um mal silencioso, pois as pessoas fogem do assunto e, por medo ou desconhecimento, não veem os sinais de que uma pessoa próxima está com ideias suicidas”. Segundo a Organização Mundial da Saúde, nove em cada 10 casos poderiam ser prevenidos.
Os questionamentos, sobre ter feito algo diante do suicídio de alguém próximo ou da família, são para a vida inteira. Meu sonho de atuar junto a mulheres em situação de vulnerabilidade social, em 1970, acontecido 12 anos depois com a Pastoral da Mulher, nasceu de uma moça com esse perfil, que era minha conhecida e se enforcou.
Penso que a comunhão com Deus é essencial para que o indivíduo, perante acontecimentos fúnebres – dissabores, temores, doenças, relacionamentos conflituosos, partidas – consiga se superar e prosseguir.
Recordo-me de uma colocação do Venerável Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus: “Sobretudo por amor Deus criou o homem... No homem Ele colocou o sopro de vida. (...) Deus nos amou, nos criou por amor, e porque nos ama é que Ele quer nos atrair para Si.” Tomar consciência desse Amor maiúsculo salva.
O moço da marmita encontrou, nas pequenas coisas, a ultrapassagem das amarguras.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE- Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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