Não é a primeira crônica que escrevo sobre ela. Figura conhecida por três gerações, talvez pela coragem de se deter, incontáveis vezes e em situações diversas, em um local movimentado da cidade e cantar, sem ritmo e preparo, alguma canção do repertório sertanejo ou popular como de sua cantora preferida na época do Jovem Guarda: “Esta é uma prova de fogo:/ Você vai dizer/ Se gosta de mim...” Ou, décadas mais tarde: “... Nós somos andorinhas/ Que vão e que vêm/ À procura de amor...” Aproveitava, após a apresentação, para pedir uns trocados.
Surpreende-me que permaneça na esperança desde pequenina. O pai morto, aos três anos dela, de maneira trágica. A mãe que faleceu logo depois, corroída pelo álcool. A avó, com limites, que esmolava para conseguir cuidar das duas netas e que partiu em sua adolescência. Da pobreza, antes de completar 16 anos, passou à miséria. Esses fatos a empurraram para a rua. Detestei ouvir, faz anos, que no começo da madrugada, homens incautos abaixavam as portas de bares noturnos e a colocavam como diversão barata, usando sua intimidade.
Hoje, comento sobre um novo episódio em sua história, acontecido no final de novembro. Guimarães Rosa escreveu em “Grande Sertão: Veredas”: “O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão”. Desde meados da década de oitenta que ela vem tentando se afinar.
Não perdeu o contato com algumas pessoas do início de sua inserção social e, em meio a elas, o Henrique Crispim e a Odete, do Museu Histórico Cultural de Jundiaí. Há tempo que, em dezembro, observa, todos os dias, a exposição municipal de presépios e, neste ano, foi convidada a participar. Colocou, em espaço de uma vitrine, a cena de Natal que adquiriu e, ao lado, uma árvore dourada, em reconhecimento de que ali está o Senhor dos senhores, “... em Suas mãos, o poder e a realeza”. Contou-me de sua alegria por se tornar expositora. Tão lindo isso tudo! Tão do Natal de verdade.
A carência e a maldade humana feriram sua juventude, mas ela reagiu, quando foi possível, porque jamais tirou Belém de sua alma.
Feliz Natal, Natal de verdade, Natal de Belém, querida leitora, querido leitor!
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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