A menina, de nove anos, comentava um dia desses que o pai lhe dissera para, ao visitar a avó, que mora em lugar complicado, levar o facão de carne a fim de se defender do risco de estupros. E pôs se a discorrer sobre os acontecimentos de violência sexual que lhe contaram. Surpreendi-me com o conhecimento dela e o conselho do pai.
O Ministério da Saúde apresentou dados dos estupros no país: a média de aumento foi de 125%, divulgado, em 20 de agosto, pelo jornal Folha de São Paulo. Em 2011, foram notificados 12.087 casos de estupros em geral e, em 2016, 22.804. E os estupros coletivos cresceram de 1.570 a 3.526. Na região de Jundiaí, de acordo com matéria do J.J. , em 19 de agosto, de janeiro a julho deste ano, são 102 casos de estupro e a maioria de menores.
Analisando as estatísticas, a proteção à mulher e às crianças nesse tipo de violação não produziu o efeito desejado. E há, para determinados abusadores, uma possibilidade de prisão domiciliar, como foi o caso do médico Roger Abdelmassih, antes de retornar à Penitenciária de Tremembé. Aliás, as diferenças são gritantes. Embora o crime seja outro, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, conseguiu prisão domiciliar por ter um filho menor de 12 anos. Quantas mães de bebês visitei, em meu tempo de Pastoral Carcerária, de delitos menores que os dela, e que cumpriram integralmente a pena.
Na Folha, há, ainda, um artigo interessantíssimo da jornalista Fernanda Mena, a respeito dos estupradores registrarem com fotos e vídeos os estupros coletivos e disseminarem nas redes sociais, mostrando que existe tolerância para esse tipo de violência contra as mulheres e “a presunção de impunidade de seus perpetradores”.
Inúmeras mulheres, por medo e vergonha, não denunciam, o que faz com que o criminoso permaneça sem punição e continue a atacar outras pessoas.
Recordo-me da moça de uns trinta anos, dependente química, residente na periferia. Uma noite, ao retornar para casa, foi abordada por três homens que se encontravam em um carro importado e ali mesmo violentada pelos três. Contou-me, dias mais tarde, que não denunciou porque, pelo perfume e as roupas, deveriam ser “gente de bem” e seria pior para ela.
Sou contra todo tipo de violência, porém deve ser por fatos como esse que o pai da menina criou a “lógica do facão”.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -
Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.