Artigo 231. Na momentosa questão do marco temporal, recorre-se sem cessar ao artigo 231 da Constituição, que, muitos o alardeiam, abrigaria verdadeiro estatuto do índio. Reza o caput do mencionado item: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Artigo 3. Sua exegese, a do 231, por coerência constitucional, precisa ser feita de acordo com o artigo 3º que coloca os fundamentos, sobre os quais toda a carta deve ser interpretada ▬ em particular, hermenêuticas sistemática e teleológica. Comanda o mencionado artigo 3: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Construção da sociedade livre. Uma sociedade só é livre se composta de pessoas que à vera são livres, a saber, que podem usar bem de sua liberdade natural. De outro modo, pessoas pelo menos com inteligência razoavelmente desenvolvida, com autonomia, meios, personalidade. Vale para todos, vale, é claro, também para os índios. Aqui se desenha objetivo constitucional fundamental: participação dos índios como cidadãos plenos e para tal estímulos para que alcancem personalidades bem desenvolvidas. Avanços civilizatórios é o que comanda o mandamento constitucional; sem chapinar em estagnações desagregadoras.
Obstáculos na caminhada. Vou mencionar como exemplo apenas um obstáculo a tal objetivo. Os índios têm sido vítimas de doutrinas atrofiantes que empapam a sociedade em todo o período republicano: foram reduzidos à condição de servos da gleba, posseiros de terras estatais. Não podem avançar, têm de ficar empantanados no retrocesso, acorrentados pelo obscurantismo. De momento, toda a ação das esquerdas empurra para os algemar indefinidamente na condição de servos da gleba, posseiros em terras estatais. Onde está a liberdade? Onde ficou a construção da sociedade livre? Situação claramente anticonstitucional, s. m. j. Minha proposta, não é só minha, mas certamente de todo brasileiro esclarecido, é a seguinte: com senso de medida, gradualmente, estimular para que os índios alcancem logo que possível a condição plena de cidadãos brasileiros. O contrário é obscurantismo.
Restauração regenerativa. É marcha para restauração do que já tiveram no passado colonial. Regenera um tecido social dilacerado. Enfim, extingue o retrocesso, já multissecular, da mera posse perene. Retorna à estrada do avanço, que tem o domínio (a propriedade) em sua chegada, cuja construção foi iniciada pelos primeiros reis do Brasil.
Caminho real. Reitero, o caminho real aponta no termo para a propriedade (o domínio) e a inerente posse, representa o fim da sujeição atrofiante ao Estado-patrão ▬ entre nós, é o habitual, desorganizado, inclemente, perdulário, autoritário. Dando s costas para o obscurantismo, petrificado no período republicano, é preciso obedecer realmente ao preceito constitucional, objetivo fundamental (supremo) da Carta de 1988, a construção da sociedade livre: É óbvio, situação a ser legislada com sensatez, e tendo como pano de fundo os institutos do Direito Civil a respeito.
Desconfiança com o estatismo. Explico-me, repetindo o que escrevi em artigo anterior, citando o ministro Fachin (no caso, inteiramente insuspeito) em seu voto no RE 1.017.365 ▬ uma hora, espero, acaba entrando, à custa de muita repetição, na cabeça do pessoal que teima em manter os índios agrilhoados ao estatismo: “Assim, as cartas régias de julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611, promulgadas por Filipe III, afirmam o pleno domínio dos índios sobre seus territórios e sobre as terras que lhes são alocadas nos aldeamento: ‘os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstia ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas vontades das capitanias e lugares que lhes forem ordenados, salvo quando eles livremente o quiserem fazer’”. O mesmo reconhecimento do domínio [e posse, claro] dos indígenas sobre as terras, lembra o ministro Fachin, ainda se pode constatar em alvará régio de 1680: “Nada obstante o contexto fático, o reconhecimento de posse e domínio sobre as terras que ocupam ocorre com o Alvará Régio de 1680, o qual consignava: ‘[...] E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia’”. Foi o Direito contemporâneo que operou a regressão: suprimiu o domínio, esbofeteando o Direito Natural; reconheceu como grande concessão a posse. Da condição de senhores, reconhecida pelos reis, caíram para a situação de servos da gleba. Não estaria na hora de avançar, retomando com prudência e senso da justiça a trilha real? Facilitaria a inserção, a participação, a inclusão dos indígenas na sociedade brasileira. Seriam medidas eficazes contra a exclusão, que nos infelicita há décadas (pelo menos). Voltarei ao assunto.
PL 490. Minha proposta requer mudança constitucional, claro, a mais de debates amplos na sociedade. Em resumo, não é simples. Tem a vantagem inestimável, acho, de abrir as cabeças, desenhar uma solução que estimularia os índios a deixarem situações passivas, assumirem protagonismo. Seriam donos do próprio destino, participantes sociais plenos e não condenados a vegetar, para sempre, amarrados por utopias, pobres cobaias de grupos fanatizados e servos da gleba de estatismos delirantes. De momento, temos providência imediata e simples. A saída é começar pelo básico, o factível, procurar aprovar o PL 490. Para tal se requer o esforço de todos, em especial produtores rurais e lideranças indígenas realmente preocupadas com a prosperidade contínua e crescente de suas etnias.
PÉRICLES CAPANEMA - é engenheiro civil, UFMG, turma de 1970, autor do livro “Horizontes de Minas
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