"E chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam: ‘Este homem recebe e come com pessoas de má vida!’. Então, lhes propôs a seguinte parábola: ‘Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? E, depois de encontrá-la, a põe nos ombros, cheio de júbilo, e, voltando para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Regozijai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento’”. (Lc, 15, 2-7)
Enquanto escutava o Evangelho, comecei a imaginar a cena. Ela se passa no deserto. Já me chamou especialmente a atenção. Ovelhas pastando em região árida. Muitas, cem ovelhas, de repente uma tresmalha que afunda na imensidão (ou na escuridão). Saí o pastor atrás dela sem hora para voltar; enquanto não a localiza não retorna ao rebanho.
Aí tomei um susto. Deserto, noite provavelmente, o pastor na procura. E, de início, não consegui resolver o nó. Pensei em quem ouvia a parábola, alguns deles pastores, outros parentes, gente do ramo. E não experimentaram estranheza, como a minha?
Aqui vai meu assombro. De fato, se um pastor tiver a seu cargo e lado cem ovelhas, com os instrumentos pobres de agregação daquela época (um bordão, brados, comidas pobres), nunca delas se afastaria para ir atrás de uma desaparecida. Sem direção, expostas a predadores, lobos rondando, a ladrões, ao descaminho, dispersas na escuridão, perderia todas, sem ao menos ter a garantia de que encontraria a tresmalhada. Veio-me naturalmente ao espírito outro versículo: “E vendo aquelas multidões, [Jesus] compadeceu-se delas, porque estavam fatigadas e como ovelhas sem pastor” (Mt, 9, 36).
Ainda, a parábola da ovelha perdida nada diz sobre a possibilidade de as colocar sob os cuidados de outro pastor ou de as trancar no redil. Estão no descampado, o pastor as deixa e vai atrás da extraviada.
Contudo, pelo que sei, a parábola nunca provocou perplexidades; ao contrário, encantou os presentes e vem encantando os que a ouvem ao longo dos séculos. A razão é simples: os ouvintes fixam o espírito nas realidades morais, objeto da parábola, e abstraem a realidade tangível naquilo que não se coaduna com a beleza espiritual ali ensinada. Não era sobretudo uma cena bucólica, era principalmente ensinamento moral.
No mundo para o qual o conto nos convida o olhar, o bom pastor à vera nunca abandonou as noventa e nove, delas sempre cuidou. “Dos que me deste, não perdi nenhum” (Jo 18, 9). Apenas uma coisa a parábola queria destacar, amava a ovelha tresmalhada, perdida nas brenhas, exposta aos predadores, e atrás dela se lançou disposto a todas as formas de sacrifício.
Adiante. São Lucas diz que todos os publicanos e pecadores ouviam a Cristo. Os judeus odiavam os publicanos, coletores de impostos para os romanos. De outro modo, drenavam riquezas de um povo pobre, eram agentes da dominação estrangeira em nação profundamente nacionalista. E os pecadores viviam de costas para a Lei. Os dois grupos atraíam o desprezo dos bem-pensantes, fariseus e mestres da lei.
De um lado, aparentemente a justiça, fria e implacável. De outro, o espírito da Lei Nova, colocando a misericórdia em extremos que poderiam parecer demasias.
No mesmo capítulo 15 está a parábola do filho pródigo; ela também pode provocar perplexidades. O filho gastador e irresponsável exige e recebe a herança inteira em vida. Vira as costas para os seus, some no mundo, queima o dinheiro em farras. O pai, todos os dias, deixa a casa e caminha pela estrada para ver se lá longe surgiria a silhueta do filho. Nada. Um dia o filho sumido volta pobre, faminto e humilhado: “Não sou mais digno de ser chamado teu filho, trata-me como um dos seus empregados”.
Resposta do pai: “Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Coloquem um anel em seu dedo e calçados em seus pés. Tragam o novilho gordo e matem-no. Vamos fazer uma festa e alegrar-nos. Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado”. E começaram a celebrar o regresso.
A música estrondeava os ares, corriam soltos os festejos, o bom filho primogênito longe, labutava no campo paterno. Quando se aproximou da casa, surpreso se informou do que estava acontecendo e se enfureceu pela suposta injustiça gritante. Recusou-se então a participar da comemoração e ainda repreendeu o pai: “Olha! todos esses anos tenho trabalhado como um escravo ao teu serviço e nunca desobedeci às tuas ordens. Mas tu nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com os meus amigos. Mas quando volta para casa esse teu filho, que esbanjou os teus bens com as prostitutas, matas o novilho gordo para ele!”.
Demasias? De novo, a Lei Nova leva a misericórdia a extremos que, de fato, não destroem. Edificam. Vivificaram a Igreja, vivificaram a ordem temporal cristã, vivificaram famílias, levaram almas a realizar maravilhas inconcebíveis no mundo pagão. É a vida divina fluindo no meio dos homens.
PÉRICLES CAPANEMA - é engenheiro civil, UFMG, turma de 1970, autor do livro “Horizontes de Minas"
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