O botequim (boteco, barzinho) é um local frequentado por apreciadores não só de bons petiscos e etílicos. Essas pessoas encontram, ali, muitas vezes, a extensão da sua casa e, principalmente, um ótimo papo com amigos, socializando assuntos e assimilando que a vida pode ser um pouco mais leve do que imaginamos.
As conversas de botequim ainda não estão em extinção. Pelo menos enquanto uma fiel geração salvaguardar sua aura. Enquanto os celulares não tomarem a atenção integral dos convivas, a troca de palavras resistirá. E em seu bojo, toda gama de calor humano que em certos momentos nem debaixo do mais eficiente cobertor encontramos.
Partilhar presente, futuro e passado, abordar o inócuo, entusiasmar-se com o essencial, derrubar risos ou prantos sobre a mesa... só quem divide o espaço nesse templo pode compreender.
Voltando ao ano de 1935, temos o registro da composição musical que talvez melhor traduza esse clima. Sobre a letra de Noel Rosa, intitulada Conversa de Botequim, seu parceiro, Vadico, colocou uma melodia de samba sincopado que casou perfeitamente com a crônica escrita. Talvez a mais genial dentre as composições da dupla.
O Café Nice, muito frequentado por Noel, artistas, políticos e intelectuais, é o pano de fundo da canção, que descreve uma fala do frequentador com o garçom. Este último, figura importantíssima para os amantes de botequim.
Em seu tom coloquial, a crônica musicada mostra aspectos da cultura à época, como a "pendura", a crise financeira, a necessidade de obter pequenos empréstimos e favores para comprar o que era necessário e, claro, a intimidade que se tinha com a figura do garçom, com quem era possível abordar qualquer tipo de assunto e pedir conselhos.
"Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa/uma boa média que não seja requentada,/um pão bem quente com manteiga à beça,/um guardanapo e um copo d’água bem gelada." (...) "Telefone ao menos uma vez para 34-4333/e ordene ao seu Osório/que me mande um guarda-chuva/aqui pro nosso escritório./Seu garçom, me empresta algum dinheiro,/Que eu deixei o meu com o bicheiro./Vá dizer ao seu gerente/Que pendure essa despesa/No cabide ali em frente."
Composições são parte de nossa história cultural. Rememorá-las é preservar o sentido de nossa existência.
Evoé, Noel! Que possamos bebê-lo por muito tempo!
RENATA IACOVINO, escritora, poetisa e cantora /reiacovino.blog.uol.com.br /reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
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