Em nossa família o bolo de fubá sempre esteve presente à mesa. Antonia, sem que minha avó materna precisasse pedir, logo cedo já o tinha assado com erva-doce, desenformado e coberto com açúcar e canela, à moda do interior. Aquele cheirinho caseiro nos dava bom dia, quando sentávamos à mesa da cozinha para tomar o café selado com o beijo de minha mãe. Depois, quando íamos para o quintal brincar de amarelinha e subir nas árvores, ela costumava deixar um bom pedaço escondido no guarda-comida, para o chá da tarde de meu avô. Quando soavam as cinco badaladas do sino do relógio do largo, corríamos para o portão. Ele chegava do trabalho e nós levávamos sua pasta de couro para o escritório e o velho guarda-chuva para o porta-chapéus, onde pendurava o cachecol xadrez e o Prado de feltro cinza. Minha mãe sempre nos acompanhava sorrindo e selava esse ritual com seu beijo.
Em casa de minha avó paterna, na capital, o bolo de fubá também fazia parte do café e do chá, conforme receita com goiabada, do tempo do onça. De quando em quando, ela nos contava da vida na fazenda, do moinho de farinha de milho, dos tachos de doce apurando no fogão à lenha, do leite morno, espumante, tirado de manhãzinha das tetas da vaca malhada e batizado com conhaque. Falava das botas de montaria e dos dois cachorros, um amarelo e outro preto, que aguardavam meu pai na soleira da porta, todos os dias. Lembrava o passeio de trole à cidade aos domingos. Quando o cafezal florescia, dizia, parecia coberto de neve. Conforme os grãos amadureciam e eram carreados para secar no terreiro, o aroma do café recém-colhido invadia todos os cantos da casa. Depois de beneficiados eram transportados pelos trilhos da Cia. Mogiana e da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, para serem ensacados em Jundiaí, cidade de grandes tecelagens e sede das oficinas inglesas, e chegavam ao porto de Santos, descendo a Serra do Mar pela São Paulo Railway Company. Essas histórias de ferrovias eram seladas com o beijo de minha mãe.
A convivência com meus avós nos dias de criança é sagrada pelo tempo. Apesar das crises econômicas e políticas que vivenciaram nunca se tornaram perversos ou amargos. A fortaleza da sua presença tem embalado o berço de nossas gerações, assim como a doçura do bolo de fubá tem guarnecido nossas mesas, não é, João? Que eu jamais esqueça o sabor e o saber deles e, como diz Fernando Pessoa, o que aprendi com os beijos de minha mãe.
SÓNIA CINTRA - ESCRITORA E PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
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