O que perturba a paz alheia é: ver do outro a casa de paz cheia!!!
Aproxima-se outro ano novo. Como os outros, este já aponta mais outro do que novo.
Em anos velhos, num planeta-época distante e distinto, havia vida.
Nesse lugar existiu graça, existiu gente, que estabeleceu entre si contato por meio do que se acostumou a chamar de diálogo.
No entanto, era mais preocupada a chamar tudo por nomes do que infelizmente tudo dispor-se a viver.
É claro que se perderam diálogo e gente num balaio só.
E, nisso, a denominada “paz”.
Tentaram culpar o clima.
Desapercebidos do clima interno, assaz quente e determinante: o clima humano, o seu próprio interior, tão humano e impalpável; o clima humano, o seu impróprio avesso, tão desumanizado e intocável.
O clima humano destemperado.
Amizades, confraternizações e afins tornavam-se estranhezas cujos sons e imagens provinham apenas de alguma remota parede ao lado, de algum muro à frente. Da distância de casas que, em essência, distavam universos!
Criaturas novas, seres amesquinhados pela infelicidade, assoberbados pela inveja, monstros à sombra de mau humor, pouca valia e solidão nasceram desse martírio pessoal, desse cozimento e consumação cotidianos de olhar para o vizinho e não alcançar o que ia perto.
Pobres borboletas desavisadas do efeito do próprio voltejar. Defeituosas na inteligência, sem notar que seu bater de asas em si mesmas volta a bater.
Hoje, a tal paz é lenda que esfumaça.
Enquanto uns folgam da suposta vantagem de lhes restar três letras do alfabeto com as quais rastreá-la, loucos sobreviventes marcham, distintos pelo som da música que cantam, tocam e dançam.
Agora, porém, shiiiu.
Um minuto de silêncio aos mortos-vivos, pois, ao mínimo indício de felicidade alheia – a paz de fato – chamam a polícia!
Uma pausa.
Um minuto de silêncio pelos falsos sóbrios.
Shiiiu. Deixemo-los arrumar a casa, limpá-la, consolarem-se. Consolarem-se, haja vista a estrutura ser embuste.
Shiiiu. Deixemo-los lavarem-se, e lavarem mal-estares vindos de dentro, ranços, ódios etc.
Haja água para lavar tanta sujeira.
Não é à toa a falta de água no planeta.
Talvez seja esse o definitivo ano.
O ano em que, secos água e coração: fim da história.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br
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