Isso não é privilégio de um bairro, infelizmente. Tampouco é ficção. Aliás, se já viram esse filme... qualquer semelhança não é mera coincidência – é maldade mesmo.
Moro no Jardim Bizarro, onde coisas bizarras acontecem. Pessoas “do bem”, aqui, matam gatos e vão à missa. Virei coadjuvante de uma paródia infeliz do cara que matou a família e foi ao cinema.
Isso é a evolução da espécie.
É a voz da impunidade.
É o ponto a que chegamos.
Mas agora nós resolvemos nos armar!
Nós, que respeitamos outras raças, além da própria. Nós, que alimentamos sim os animais abandonados, porque não fazê-lo é praticar igual abandono no tocante ao que nos é possível. Nós, que acreditamos em justiça. Nós, que, sobretudo, cremos em justiça divina. Nós, que nos cansamos de estar por pouco. Nós, que não vemos o gato como uma praga sujeita a nossos instintos exterminadores e de domínio, ao contrário – como criatura de Deus.
Nós, que, pecadores de marca maior, não ostentamos gloriosamente a falibilíssima condição, mas também não forjamos uma maldita fé que nos sustente enquanto intocáveis imagens de seres benévolos.
Nós, que não vociferamos amar o divino sem ter reconhecido no próximo e no diverso, os caminhos pelos quais chegar a Ele.
Nós, que não idolatramos o deus-conveniência, o deus-não-olhe-os-MEUS-pecados, o deus-salve-me-dos-MEUS-delitos-quando-for-a-hora, como se, por cumprir ritos, tivéssemos privilégios assegurados.
Credo! Há gente demais – ainda – ocupada em executar as próprias sentenças e fazer a própria justiça, a título de justiça do alto.
Gente que age com vileza em benefício próprio imediato. No caso do gato, sobretudo o gato pelo qual supostamente ninguém reclamará, fazer o bem talvez, nessa interpretação superficial, signifique livrar-se dele.
Tristeza e indignação à parte, lágrimas e ladainhas não apagarão seus crimes.
Vamos, como eu disse, nos armar: de câmeras fotográficas e filmadoras.
Como quando se queimava gatos por supô-los bruxas, inverteremos o jogo e levaremos à fogueira, por meio de registros condenatórios, as bruxas reais, que sabemos quem são, e que por estúpida fé na raça ainda não apontamos.
VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br
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