Apesar de notórios constantes avanços, os tempos atuais andam também para trás.
Sermos excessivamente duros, seja conosco seja com os demais, não resolve. Porque nem tudo é hipocrisia. É uma batalha mantermo-nos fieis aos próprios ideais dia a dia.
Viver requer balanço.
Por exemplo, adoro dançar. E, de fato, balanço; não danço.
Importante mesmo é a alegria, a liberdade do espírito pelas vias do corpo.
Sempre me policiei muito. Por isso, não “dançava” em lugares públicos. Só na sala de casa.
Agia com cuidado, afinal, por aí, a maioria dos homens julga “má” a conduta de mulheres que saem se chacoalhando sozinhas. E eu não queria parecer vulgar (para dizer o mínimo) diante dos supostos donos do mundo.
Identicamente tolhida pelas “boas” maneiras, eu não me dirigia ao balcão, pedindo um drink.
Ou seja, sair era “poda”, sim: poda, haja vista eu ser toda vez podada.
Podada em minhas vontades, sordidamente deturpadas pelos pensamentos dominantes, sob os quais vinha inclusive eu dominada.
Podada pelos amigos, podada pelos parentes, podada por quem “bem” me quer.
Podada pelo hábito de deixar-me podar.
Dei-me conta disso um dia desses, aqui nesta mesma sala desta mesma casa da qual lhes falei ali atrás que tanto me testemunha dançar solitária.
Dei-me conta, como eu dizia, ao recriminar minha filha, que vestia um short jeans, por largar-se muito à vontade no sofá.
Sem quaisquer vis intenções, sua atitude contrastava com as convenções.
Atitude apesar da qual ela continuava a mulher linda, incrível e que me surpreende ter sido por mim acompanhada, sendo tantas vezes estimulada, todavia, tantas tolhida, podada!
Ela me disse “e daí, mãe?”. Na hora pensei que a minha mãe, por sua vez, nessa hora teria batido em minha boca. Por extremo amor e sabedoria materna que não desprezo. Agradeço.
Ocorre que o tempo corre. Ele passa. E os tempos agora são outros. E eu só, no caso, pude rir. Ri de mim mesma. E ri para minha filha. E eu disse “e daí?”!
Choca-me deveras ver olhar de reprovação em pessoas jovens. Sobretudo em jovens amigas quando danço. Tomara que seja só porque danço mal.
Caso contrário, as coisas – para nós mulheres –, em função de nós mesmas, continuarão de mal a pior.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br
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