“Perdi o sono... perdi de vez, porque/ a criança pequenina acorda à noite,/ e eu regressei ao berço por você./ De tão perdida, eis que me encontro, enfim!/ Do tempo, toda a gente estranha o açoite -/ ah, mas se eles soubessem sobre mim.../ Vendavais, intempéries causam medo,/ e a forma como o mundo ruma ao fim.../ Porém, mais me amedronta esse segredo./ Ter que guardá-lo, santo, em relicário;/ ver que escorre, então, por um e outro dedo./ Dizê-lo apenas em confessionário./ Um coração que é um cofre: isso é pavor!/ Tê-lo indefeso e imóvel qual armário,/ guardando os caros bens do seu senhor.”.
Você sabe guardar segredo?
Pela dificuldade que é manter os próprios, a gente consegue medi-la no tocante aos dos outros.
Topamos com essas criaturas – os outros –, tão iguais e imensuravelmente distintas de nós, onde for que estejamos.
O que fazer a seu respeito?
Guardar seu segredo.
Torcer para que, num gesto idêntico, preservem nossa dignidade, mesmo após nos flagrarem, à semelhança de si, menos belos do que o ideal, menos agradáveis do que o pretendido, mais falíveis e infelizes do que o aparente.
Torcer para que, mirando-se em si, sejam tão sigilosos com nossos instintos postos à prova e à mostra, quanto temos sido com os deles, seja por identificação, por algum medo ou solidariedade.
Embora ruim, é-me inevitável, ao topar, dia após dia, na rua, com esses estranhos, perceber que a maioria deles, na face avessa, traz explícito olhar de poucos amigos.
Ocorre-me a reflexão de Álvaro de Campos: “Arre, estou farto de semideuses!/ Onde é que há gente no mundo?”... Mas, a ojeriza passa logo. Basta entrar em casa e dar de cara com o espelho.
“Exploro a estrada que leva ao meu centro:/ este caminho que ninguém explora,/ nem a solidão – esta me ignora!,/ pouco lhe importa se de mim vai dentro./ Examino que mal mais me corrói:/ se a saudade de quem eu fui um dia.../ se uma revolta à toa, nostalgia.../ Junto d´alma esta carne também dói./ Sinto-me tão pesada pra estas pernas;/ minhas mãos são enormes pra estes braços;/ meus olhos diminutos pra este pranto./ Os meus irmãos são luzes de lanternas,/ e desfilam saúde... e eu só cansaços./ eu sou toda pecado... e o mundo é santo!”.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br
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