Os “Desejos Vãos” de Florbela Espanca se materializaram numa tarde seca dessas, quando “o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,/ Tem lágrimas de sangue na agonia!”.
Em consonância, vieram tocar-me a mente, os acordes da composição de João Ricardo e Paulinho Mendonça: “O sol que veste o dia/ O dia de vermelho/ O homem de preguiça/ O verde de poeira/ Seca os rios os sonhos/ Seca o corpo a sede na indolência”.
Talvez tudo consoe afinal em essência ao menos.
Quando tudo concorre para desanimarmos e não desanimamos... o que o explica???
Talvez ocorra que, de fato e a despeito das fragilidades, em paralelo, ou por isso mesmo, sejamos mais do que a inveja do outro; mais do que o despeito do outro; mais do que o desrespeito do outro; mais do que a soberba do outro; mais do que o desdém do outro; mais do que a preguiça do outro; mais do que a competitividade e, portanto, do que o medo do outro...
Talvez sejamos mais do que o de quanto mais poderíamos, desperdiçando tempo, acusá-lo – o outro.
E talvez sejamos menos, outrossim.
Menos preocupados com o outro; menos pretensos a causar-lhe semelhante mal, porque talvez diferentemente já tenhamos ouvido falar da lei do retorno e de outras leis.
Porque (talvez), graças a Deus, às Musas, ao Acaso, à Felicidade ou à Tranquilidade Interior somente, o outro para nós não seja mais nem menos que o próprio Deus, as próprias Musas, o próprio Acaso, a Felicidade ou a Tranquilidade Interior própria, ou ainda, quem sabe, tudo isso junto e por demais impróprio!
Talvez todo mundo seja somente nada mais que a materialização, instrumentos, caminhos por onde ou por quem prosseguir...
Motivos pelos quais e não por sobre os quais continuar.
Afinal, o outro, o escancaradamente diverso de mim é o meu avesso.
Sei lá. Será mesmo?
O outro, o estranho, talvez fosse o eu, caso não estivesse tão bem comigo, tão em paz.
O outro é talvez a possibilidade do não-eu.
O outro é, talvez, alguém somente que ainda não se permitiu “beber o suco de muitas frutas/ o doce e o amargo/ indistintamente/ beber o possível/ Sugar o seio da impossibilidade/ Até que brote o sangue/ Até que surja a alma/ Dessa terra morta/ Desse povo triste.”.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br
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