“não estou longe de mim/ estou tão perto/ que vou dentro/ mas se me busco/ tal verdade ofusco/ sou cidade escura/ uma Paris apagada/ intimíssima encruzilhada/ descoberta que não dura/ se me abrasa um lume/ incendeia a alma/ queima e cai a casa/ sou aquele vagalume/ sou do breu a asa”...
Poesia à parte, disse-me Guilherme: “eu nunca vi um vagalume”.
Não estranhei.
A não-estranheza, essa sim, é-me a razão do estranhamento...
Como é possível soar natural que as novas gerações desconheçam a natureza?
Como é possível a natureza andar tão estranha às próprias entranhas?
Como é possível, à luz de novidades sucessivas, a juventude com coisa alguma se assombrar?
Pobres serezinhos alados quase exterminados!
Pobre também a humanidade sem asas!
Por um instante – que voa... evapora... – penso que, à falta de voos concretos, o pensamento eleva-se e sobrevoando-nos sobra.
Nisso, lembro que sobra pouco tempo talvez.
Muito pouco! Muito ou pouco? Quem sabe?
Saberão os vagalumes restantes?
Saberão alguns de nós, à falta deles, à luz portanto de sua ausência?
Lançaria, pois, sua quase não existência uma luz. Uma nova luz sobre o que vai e os que vão, nós, abaixo de si. Abaixo e aquém de seu voozinho intuitivo.
Intuitiva, natural e inocentemente lançar-se-ia esta nova luz.
Não. Nova não. Antiquíssima.
Luz de tempos menos impermanentes quem sabe.
Luz de farol. Luz-sinal.
Sinal de que é bem capaz que até aqui não tenhamos feito bom uso deles – os sinais dos tempos a vagalumear pelos ares de antanho e de agora, desde o início até o sabe-se lá quando.
Eis que um estranhamento me assoma agorinha mesmo: se Guilherme nunca viu um vagalume, eu, por minha vez, quanta coisa jamais chegarei a ver e crer!!!
É... nem tudo, de fato, nos cabe, nem, por conseguinte, nos será dado a ver.
Dado.
Enxergássemos fosse a luz fosse a falta que ela faz, veríamos por meio dela que viver é dádiva.
Viver nos é dado.
Oxalá soubéssemos viver.
Há quem julgue fazê-lo devidamente.
Queira tudo que há de mais sagrado existir um tantão assim de gente assim. Mas, gente assim que o faça, não só que o pense ou julgue.
Perdão por eu andar meio cética com relação a isso.
Podem, aliás, julgar-me à vontade.
Eu mesma já o fiz primeiro.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br
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